sexta-feira, 10 de junho de 2011

Analisando seus olhos

- Pode começar, Elise.
- Como eu começo?
... Silêncio.
... Não foi fácil perder minha mãe tão cedo. Tive que aprender como me comportar com o mundo apenas observando o que acontecia ao redor dos meus olhos e me espelhando em pessoas que eu, segura, acreditava serem boas de verdade. Eu tinha fé apenas naquilo que fazia sentido para mim e se aquele homem era bonito ou não, isso era eu quem iria determinar, e não achar porque o resto do planeta achava. Eu era fiel ao que minha mente aceitava e era feliz por ser como Vera.
- Quem é Vera?
- Vera é um anjo. Um anjo que não tinha asas, mas por se tornar um, as ganhou merecidamente.
- Qual sua ideia sobre anjos?
- Anjos são aquelas pessoas que fizeram ou fazem algum sentido considerável em minha vida e talvez, você seja um, mas espero que não ganhe asas tão cedo.
- Acha que não mereço ter asas?
- Não. Eu acho que você ainda pode viver com asas invisíveis, pode voar se quiser, é só segurar minhas mãos. Mas Vera, não podia voar. Eu não tinha forças para carrega-la pois era só uma criança e talvez hoje, suponho que sou mais pura do que quando menina.
- Me fala mais sobre seu anjo que ganhou asas.
- Ela foi um anjo que ganhou asas por merecer, só isso.
- Como eram suas asas?
- Quando eu as via em seu corpo, eram invisíveis.
- Como via algo invisível?
- Por que faz tantas perguntas?
- Sou um analista.
- Eu vejo muitas coisas invisíveis e posso ver cada detalhe da sua vida em seus olhos agora.
- Não é fácil esconder.
- Entendo..
- Entende porra nenhuma. É fácil ver que eu te olhando vejo meu retrato ainda tão bonito. Seu sorriso continua o mesmo de sempre: triste. Parece que chora com ele e ainda não permite que ninguém te roube de você mesma. Nem ao menos eu.
- Pode me roubar se quiser, não há nada de valor.
- Pare de me enrolar com esses assuntos dispersos!
- Você prometeu. Não quebre sua promessa.
- Não posso.
- Você prometeu aceitar as condições.
- Não posso, Elise!
- Suas palavras tinham valor.
- Vejo valor nesse fio de cabelo solto em seu ombro.
- Continue.
- Não posso...
... Silêncio.
... Não foi fácil dizer adeus. Tive que aprender como era viver sem o seu cheiro no travesseiro e seus gemidos quando acordava pela manhã. Tive que procurar nas pessoas um programa de televisão interessante que prendiam minha atenção como os que eu assistia em seus olhos. Era estranho não ouvir mais a sua voz pela casa e aquele silêncio me matava todos os dias. Te amei todos os dias Elise, te amei... Não era mais engraçado assistir os programas de humor sem sua risada estranha e escandalosa que era o que mais me fazia rir. Era estranho chegar em casa e não te ver deitada no sofá com as pernas cruzadas para o alto exibindo aquelas meias que terminavam nas coxas. Era estranho chegar e não ver seus olhos passeando sobre as páginas de um livro e era doloroso não te ter ali oferecendo a ponta do sofá para que eu pudesse me sentar e alisar seus cabelos enquanto me falava o quanto aquele livro se parecia com você. Todos os seus detalhes eram gritantes, mas eu ainda podia ver algo invisível em você, sem querer ver. Eu vi suas asas, e como seu voo foi lindo...
- Nosso tempo acabou, preciso ir.
- Te amei todos os segundos que esteve ausente. Te amei em carne e osso, e agora, te amo assim: luz.
- Sinto não poder te beijar. Nos deram limites.
- Não colocaram limites em sua beleza, você continua linda. Ainda quero ter asas para segurar suas mãos e acabar com esse confim que me adaptaram até amar você.
- Não diga isso, seu tempo ainda não chegou.
- Tempo? Meu tempo era você engolindo minhas horas por dia. Quero ter asas como você!
- Prometo voltar um dia.
- Volta meu anjo... Volta...

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